Image
Lassi
Notícias
03 October 2025

A caminho da mudança: como as cidades estão a transformar a mobilidade em conjunto

Profile picture for user Luis@urban-initiative.eu
UCP Portugal
Traduzido e adaptado do artigo original 'On the road to change: How cities are transforming mobility together', da autoria de Donal O'Herlihy, Perito EUI.

Nenhuma cidade tem de reinventar a roda. Em toda a Europa, estão já a ganhar forma ideias arrojadas — desde ciclovias dedicadas a bairros com menos automóveis, de ruas pedonais a sistemas inteligentes de gestão de tráfego. Cada cidade tem os seus próprios desafios e prioridades, mas as lições aprendidas noutros contextos podem acelerar a mudança. É aqui que a Iniciativa Urbana Europeia (EUI) entra em ação, ajudando as cidades a aprender umas com as outras e a transformar conceitos inovadores em resultados concretos no terreno.
Ver a mobilidade em ação

As cidades reconhecem cada vez mais que a mobilidade sustentável não pode ser tratada como uma atividade isolada, já que é parte integrante de outras estratégias de Desenvolvimento Urbano Sustentável (DUS). Os Intercâmbios entre Cidades da EUI (City-to-City Exchanges, C2C) respondem a este desafio, não apenas fornecendo orientações sobre o que as cidades da UE devem fazer, mas permitindo sobretudo que vejam em primeira mão como fazê-lo. Através de visitas mútuas e discussões aprofundadas, as cidades podem comparar abordagens, compreender o que funciona na prática e selecionar a solução mais adequada ao seu contexto. Mesmo que nem sempre saibam como conceber soluções eficazes de forma autónoma, as C2C Exchanges oferecem exemplos concretos, muitas vezes com enfoque na mobilidade ativa — em particular a marcha e o ciclismo —, demonstrando como estratégias integradas de mobilidade podem ser implementadas com sucesso.

Sustainable mobility and citizen engagement

Mobilidade sustentável e envolvimento dos cidadãos

O envolvimento dos cidadãos surge como tema comum em todos os projetos de mobilidade sustentável. Envolver a comunidade não é apenas central para a implementação eficaz das estratégias de DUS, mas constitui também um pilar fundamental da abordagem da Nova Bauhaus Europeia, que defende que as comunidades devem co-criar as soluções que as afetam ou beneficiam. Este envolvimento torna-se ainda mais crítico em cidades com uma cultura automóvel profundamente enraizada, onde medidas que reforçam as condições para ciclistas e peões — muitas vezes à custa do espaço dedicado ao automóvel — podem gerar forte resistência. Ao trazer os cidadãos para a conversa desde o início, as cidades podem construir compreensão, confiança e apoio à mudança.

Piatra Neamț (Roménia) é um exemplo claro de como isto pode funcionar na prática. Procurando descarbonizar a mobilidade e reforçar a sua estratégia de DUS, a cidade recorreu a Szeged (Hungria) como 'parceira' para a sua abordagem transformadora à mobilidade inteligente. Através da sua C2C Exchange, Piatra Neamț aprendeu que a implementação de uma série de pequenas iniciativas interligadas — como a disponibilização de tempos de espera em tempo real para peões e autocarros ou a criação de mini-rotundas para reduzir a congestão — pode ser mais facilmente aceite do que uma intervenção única de grande escala. Combinadas com campanhas de sensibilização direcionadas, abordagens participativas e uma forte ênfase na construção de confiança antes, durante e após a implementação, estas ações abriram caminho para um centro histórico redesenhado e mais amigo dos peões. A troca permitiu à equipa de Piatra Neamț experimentar as práticas de Szeged em primeira mão, discuti-las com responsáveis de topo e adaptar os ensinamentos ao seu contexto local.

Superar a cultura automóvel

A transição para além da “cultura automóvel”, de forma a ser assumida e apoiada pelos cidadãos, tornou-se um desafio comum nos projetos de mobilidade sustentável. Turku (Finlândia) e Rabat (Malta) são dois exemplos em que esta transição se revelou particularmente premente. Ambas as cidades tinham uma forte tradição histórica de adoção da cultura automóvel e os seus políticos eleitos nem sempre estavam convencidos dos benefícios das alternativas sustentáveis.

No caso de Turku, uma C2C Exchange com Groningen (Países Baixos) proporcionou conhecimentos aprofundados sobre o desenvolvimento e a implementação de quadros multimodais de gestão de tráfego — em especial a integração da bicicleta com o transporte público. O sistema de Groningen adapta semáforos e fluxos em tempo real, priorizando peões e ciclistas face a outros utilizadores da estrada.

Turku aprendeu a incorporar o transporte público como opção-padrão, por exemplo, lançando um serviço de autocarro para um novo bairro antes mesmo de ser ocupado, coordenando organismos municipais, construtoras, operadores privados e fornecedores de tecnologia. As discussões revelaram como a cultura de trabalho informal de Groningen, assente em ligações diretas entre políticos e técnicos, acelera a implementação de políticas de mobilidade sustentável. Já a abordagem de Turku, baseada em comissões, é mais tradicional, cuidadosa e naturalmente mais lenta. Assim, para além do conhecimento técnico em gestão multimodal de tráfego, Turku ganhou uma visão única sobre o processo de formulação de políticas em Groningen, percebendo como a criação de ligações informais entre responsáveis e políticos pode ajudar a conquistar decisores céticos.

Em Rabat, a troca centrou-se numa carteira integrada de mobilidade, desenvolvida em Guimarães (Portugal). Ver o modelo em funcionamento permitiu a Rabat adaptá-lo e aplicá-lo localmente. A experiência foi mutuamente benéfica, já que Guimarães recebeu feedback valioso sobre os desafios enfrentados noutra cidade e pôde utilizá-lo para melhorar significativamente o seu próprio design da carteira.

De forma semelhante, Salónica (Grécia) enfrentava um desafio relacionado: o congestionamento do tráfego e a incerteza sobre como abordar este aspeto da mobilidade sustentável no quadro de uma estratégia de DUS integrada. A sua participação numa Revisão por Pares com Jelgava (Letónia), Beja (Portugal) e Maia (Portugal) permitiu-lhe explorar soluções, incluindo a abordagem de Bolonha (Itália), que criou 3.000 km de percursos pedonais e cicláveis, com impactos mensuráveis no desenvolvimento económico e comercial.

Peer_Review-Thessaloniki

Ligar mobilidade sustentável e turismo

Por toda a Europa, muitas cidades reconhecem que mobilidade sustentável e turismo estão interligados. Integrar estratégias de mobilidade com políticas de atração turística cria ambientes mais acolhedores, beneficia a economia local e reforça as infraestruturas urbanas. A mobilidade sustentável não é uma atividade isolada – precisa ser integrada a outras estratégias de SUD para ter um impacto duradouro.

Linking sustainable mobility to tourism

Este foi precisamente o desafio para Alessandria (Itália). A cidade pretendia desenvolver infraestruturas de mobilidade sustentável, ligá-las ao turismo, envolver ativamente os cidadãos ao longo de todo o processo e medir o impacto após a conclusão. Para tal, identificou Dún Laoghaire (Irlanda) como 'cidade parceira', devido à sua experiência em criar infraestruturas de mobilidade sustentável com enfoqueno turismo, que também beneficiaram a comunidade local, no âmbito da rede URBACT Tourism-Friendly Cities.

Linking sustainable mobility to tourism

Através da sua C2C Exchange, Alessandria pôde observar em primeira mão como Dún Laoghaire concebeu iniciativas que integraram mobilidade sustentável, envolvimento cívico e impacto turístico. A cidade italiana aprendeu com os processos de consulta pública inovadores e de envolvimento ativo dos cidadãos, explorando formas de os adaptar ao seu contexto, e percebeu como envolver de forma eficaz a Agência Nacional de Turismo, criando uma apropriação partilhada dos resultados. Mais importante ainda, Alessandria obteve uma compreensão prática de como Dún Laoghaire conseguiu integrar a mobilidade sustentável nas suas estratégias de planeamento urbano e de turismo, bem como de como procedimentos robustos de monitorização e avaliação permitiram demonstrar o impacto destas ações ao longo do tempo.

Lições aprendidas – transformar ideias em ação

As atividades de capacitação da EUI proporcionam sistematicamente soluções rápidas, adaptadas e práticas para as cidades europeias. Os participantes ganham experiência prática, observam as práticas urbanas em ação e reforçam a conceção e implementação de estratégias integradas de Desenvolvimento Urbano Sustentável.

Entre as principais lições destacam-se:

  • Colocar as pessoas em primeiro lugar e definir as políticas de utilização da via em função delas e dos modos de mobilidade ativa;
  • Começar em pequena escala, testando projetos-piloto ou iniciativas de baixo impacto que mostrem melhorias visíveis de forma rápida;
  • Integrar a mobilidade noutras estratégias — a mobilidade sustentável é relevante para o turismo, o desenvolvimento urbano e a saúde dos cidadãos;
  • Comunicar eficazmente — usar canais já existentes para explicar aos cidadãos o que está a ser feito;
  • Esperar alguma resistência de grupos pró-automóvel, mas procurar mobilizar um apoio mais amplo dos cidadãos para criar um movimento positivo;
  • Abordar a cultura automóvel — as pessoas usam carros por hábito e porque são mais 'confortáveis' do que os modos ativos; importa incentivá-las à mudança;
  • Ser proativo e corajoso — por vezes é necessário aceitar um custo económico temporário para permitir que os cidadãos adotem o transporte público;
  • Reconhecer que os políticos refletem a população — criar ligações informais com eles e incentivá-los a integrar o processo de formulação de políticas de mobilidade sustentável;
  • Ter paciência — algumas medidas de sustentabilidade demoram tempo a produzir resultados.

A mobilidade sustentável emergiu como prioridade máxima para as cidades em ambos os percursos de capacitação: as City-to-City Exchanges (C2C) e as Revisões por Pares. As cidades reconhecem que a mobilidade é mais do que transporte — cruza-se com a saúde pública, a ação climática, a inclusão social, o turismo e o planeamento urbano. Transformar ideias em estratégias práticas nem sempre é linear. Mas, ao conectarem-se à rede mais relevante de pares europeus, partilhando experiências e trocando soluções, as cidades podem enfrentar em conjunto os desafios, em vez de trabalharem isoladamente. Não se trata de uma ideia nova, mas uma vez mais comprovada como eficaz e bem-sucedida.