Como podem as ações inovadoras tirar partido da Cultura e do Património Cultural?
No âmbito da vertente Ações Inovadoras da Iniciativa Urbana Europeia (EUI, European Urban Initiative), as cidades europeias utilizam a cultura e o património cultural de forma criativa para promover o desenvolvimento urbano sustentável. Esta abordagem demonstra o poder transformador das iniciativas culturais na criação de ambientes urbanos dinâmicos e sustentáveis.
Estes exemplos visam inspirar e desencadear novas ideias nas cidades que procuram formas criativas de enfrentar os seus desafios urbanos no âmbito do atual 3.º Concurso para Ações Inovadoras da EUI.
Antecedentes - o papel da cultura e do património cultural no desenvolvimento urbano
À medida que as cidades europeias exploram oportunidades de desenvolvimento urbano sustentável, a cultura e o património cultural são um recurso fundamental. Fornecem ativos existentes sobre os quais se podem desenvolver abordagens e projetos estratégicos. Tal inclui tanto ativos físicos tangíveis, como edifícios, monumentos e marcos, como ativos mais intangíveis, como eventos culturais, práticas e identidade.
A cultura e o património cultural podem proporcionar:
- Um recurso económico, baseado em ativos que incluem produtos locais específicos, práticas ou atrações turísticas, que podem atrair dinheiro e investimento para a economia local;
- Um recurso social, incluindo locais ou eventos importantes para reunir a comunidade ou espaços para prestar serviços comunitários, apoiando a coesão e a inclusão sociais;
- Um recurso ecológico, incluindo sob a forma de práticas tradicionais sustentáveis, infraestruturas verdes e azuis e envolvimento da comunidade, ajudando a reduzir e a atenuar os impactos das alterações climáticas.
Ao mesmo tempo, a cultura e o património cultural podem também criar desafios ao desenvolvimento urbano. Por exemplo, um património cultural particularmente atrativo pode levar a riscos de excesso de turismo com graves impactos negativos associados no ambiente local (poluição, resíduos, etc.) e na comunidade (custos de habitação, acesso a bens e serviços a preços acessíveis, etc.). Em muitos casos, o património cultural pode também significar infraestruturas envelhecidas, exigindo custos de manutenção contínuos significativos.
Há também a simples realidade de que as cidades da Europa não estão a começar do zero. Os novos projetos, desenvolvimentos e abordagens têm de estar enraizados no que já existe na cidade. Encontrar formas novas e criativas de trabalhar em harmonia com o património existente ou de utilizar património cultural antigo ou fora de uso oferece benefícios potenciais significativos para o futuro, para além de manter ligações com o passado.
Eis alguns exemplos ilustrativos das 36 ações inovadoras atualmente em curso selecionadas no âmbito dos dois primeiros concursos para ações inovadoras da EUI.
Na prática - utilizar o património cultural como uma alavanca social
Duas ações inovadoras EUI em curso analisam especificamente a forma como o património cultural pode ser utilizado como uma alavanca para abordar questões sociais, particularmente relacionadas com problemas de saúde mental entre os jovens.
O projeto ImperfectCity, em Aarhus, na Dinamarca, combina várias ideias acima descritas. Em primeiro lugar, reconhece o valor do seu património edificado existente, apesar das perceções frequentemente negativas e da crescente degradação dos edifícios de estilo arquitetónico brutalista das décadas de 1960 e 70. Em seguida, explora a forma de utilizar este património para abordar questões sociais em termos de um outro elemento da cidade frequentemente percecionado de forma negativa: os jovens com problemas de saúde mental.
A solução proposta envolve o restauro e a adaptação de um edifício brutalista histórico em risco de demolição (o ‘Kulturhus Bunkeren’) para acolher um centro comunitário e serviços sociais e de emprego para jovens propensos a problemas de saúde mental. A solução passa também pela proteção do edifício contra as intempéries. As intervenções físicas são combinadas com métodos inovadores para envolver os membros da comunidade e ultrapassar o estigma associado tanto aos edifícios brutalistas como aos doentes mentais.
Entretanto, o projeto We-Z, em Roma, Itália (Distrito III - Montesacro), também procura associar a regeneração do património urbano construído relativamente ultrapassado a novas abordagens para o bem-estar dos jovens (‘Geração Z’) e para a promoção da sustentabilidade ambiental. Especificamente, procura regenerar um complexo de habitação pública negligenciado da década de 1970 (‘Vigne Nuove’) através de um modelo de transição - estabelecendo uma ‘comunidade de cura’ na qual pessoas com diversas condições sociais e de saúde mental se empenham na co-criação de um novo ‘parque We-Z’.
O projeto procura estimular e criar laços entre as pessoas e os seus locais, promovendo ideias de prazer, bem comum e ecossistemas produtivos. Combina intervenções que promovem o envolvimento dos cidadãos, a criação de emprego e o aumento dos equipamentos verdes e públicos, com abordagens inovadoras que procuram valorizar o ‘património vivo’ em termos de memórias locais e a consideração de parâmetros emocionais nos processos de reutilização adaptativa.
Na prática - utilizar o património cultural como uma alavanca ambiental
Ambos os projetos acima mencionados continham componentes ambientais importantes nas suas intervenções de reabilitação urbana, tais como medidas de eficiência energética ou a criação de espaços verdes. No entanto, os projetos podem também centrar-se ainda mais nas ligações entre o património cultural e a sustentabilidade ambiental.
Um desses projetos é o S4T em Rovereto, Itália, que está a trabalhar para transformar a sua estação de comboios desativada num ‘think&action tank’ territorial, centrado na resolução dos desafios das alterações climáticas e da biodiversidade. Este projeto parte deste importante marco patrimonial numa localização privilegiada do município e regenera-o, transformando-o de um centro de mobilidade obsoleto e desativado num centro de participação cívica moderno e funcional.
Os espaços serão transformados em locais interativos para formação, co-design, co-produção e transferência de conhecimentos para iniciativas públicas, cívicas e económicas promissoras em matéria de alterações climáticas e biodiversidade. Procura, assim, realizar ações conjuntas para promover estilos de vida ecológicos, inclusivos e coesos a partir do património local.
Um projeto algo semelhante, o Viana S+T+ARTS Centre em Viana do Castelo, em Portugal, procura também regenerar um importante edifício histórico desativado e ultrapassado, transformando-o num espaço funcional moderno. Especificamente, está a transformar um antigo matadouro num centro criativo que combina ciência, tecnologia e artes para co-criar soluções não convencionais para os desafios sociais, económicos e de sustentabilidade da cidade.
Em particular, procura promover a inovação azul orientada para as artes para ajudar a alcançar os objetivos da Agenda do Mar desta cidade costeira. Para além de impulsionar as atividades económicas no âmbito da economia azul, procura demonstrar soluções inovadoras de energia limpa para a UE, incluindo: o primeiro parque eólico flutuante ‘offshore’; o primeiro compartimento de edifício rotativo controlado por inteligência artificial para maximizar a recolha de energia solar; e um novo sistema para armazenar o excedente de energia renovável sob a forma de hidrogénio.
Na prática - gerir os desafios ligados ao património cultural
Um tipo diferente de abordagem ao tema da cultura e do património cultural é apresentado pelo projeto Blue4Green, em Bruges, na Bélgica. Neste caso, o principal desafio abordado é a forma de gerir e manter o importante património cultural da sua rede de canais no centro da cidade, juntamente com as suas ambiciosas políticas de 'ecologização' (com uma elevada procura de água) num contexto de riscos crescentes de stress hídrico devido às alterações climáticas.
A solução inovadora consiste em desenvolver várias intervenções interligadas: um ‘gémeo digital’ da cidade para permitir uma melhor modelação da disponibilidade e das necessidades de água; um sistema automatizado de gestão da água para controlar melhor os riscos de inundação (e de seca) no centro histórico; a reconexão de parte da rede histórica de água para proporcionar uma capacidade de reserva adicional; e soluções baseadas na natureza para melhorar a qualidade da água.
Nos projetos selecionados no âmbito do 2.º Concurso para Ações Inovadoras da EUI, verificamos também que há mais do que uma abordagem em que a cultura e o património cultural são elementos importantes de uma abordagem global para um turismo mais sustentável. Entre estes contam-se:
- Coimbra ST LLM, em Coimbra, Portugal, que procura fornecer uma solução baseada em dados (com base em grandes modelos linguísticos) para reduzir o impacto do excesso de turismo na sua zona de ‘cidade universitária’, património mundial da UNESCO, através de itinerários personalizados;
- CULTIGEN, em Copenhaga, Dinamarca, que procura fornecer uma solução inteligente para compreender melhor a experiência dos habitantes locais e dos turistas (através de ‘feedback’ quantitativo e qualitativo) e, em última análise, promover um reequilíbrio dos fluxos turísticos;
- GreCO, em Elliniko - Argyroupoli, Grécia, que procura fornecer itinerários personalizados aos visitantes, adaptados aos seus antecedentes e preferências culturais, orientando-os simultaneamente para zonas menos exploradas com base em dados em tempo real.
Os projetos urbanos que operam na esfera da cultura e do património cultural podem abranger todas as dimensões do desenvolvimento urbano sustentável - económica, social e ambiental. Podem também procurar explorar bens culturais, enfrentar desafios do património existente ou ambos.
As cidades estão continuamente a encontrar formas novas e inspiradoras de estabelecer estas ligações. Aguardamos com expetativa as novas ideias relacionadas com a cultura e o património cultural que serão apresentadas pelas cidades em resposta ao 3.º Concurso para Ações Inovadoras da EUI sobre os temas ‘Transição Energética’ e ‘Tecnologia nas Cidades’.