
Moldar cidades inclusivas e habitáveis através da mobilidade inteligente
Em todo o mundo, as cidades estão a reinventar a mobilidade — não apenas como transporte, mas como um caminho para uma vida urbana mais saudável, mais verde e mais inclusiva.
Durante décadas, as cidades em todo o mundo encararam a mobilidade como a simples deslocação de A para B, dando prioridade ao tráfego automóvel e procurando obter o máximo de poupança de tempo de viagem possível. Isto levou a uma utilização ineficiente do espaço, a um aumento do tráfego motorizado entre residentes e visitantes e a outros desafios urbanos, incluindo questões ambientais. Ruas congestionadas, poluição, stress, exclusão social e acesso limitado a espaços públicos verdes e agradáveis reduzem a qualidade de vida de residentes e visitantes. Simultaneamente, as cidades estão a experimentar novas abordagens, utilizando a mobilidade urbana como catalisador para criar lugares mais saudáveis, mais inclusivos e mais atrativos para viver e visitar. Tal é alcançado ao tratar a mobilidade como parte integrante do sistema urbano, em articulação com outros temas e envolvendo todos os grupos de utilizadores da cidade. A Iniciativa Urbana Europeia (European Urban Initiative, EUI) e os projetos de Ações Urbanas Inovadoras (Urban Innovative Actions, UIA) demonstram como abordagens integradas e inclusivas podem transformar a mobilidade num verdadeiro motor de qualidade de vida.
Transformar o espaço público para cidades mais frescas em Gante e Bolonha
REWILD — Cidade de Gante
No âmbito do projeto REWILD, a Cidade de Gante testa soluções em três bairros para compensar a urbanização e reduzir a impermeabilização do solo em terrenos públicos e privados. Isto é alcançado, entre outras medidas, abordando uma das discussões urbanas mais sensíveis: o equilíbrio entre estacionamento automóvel e espaços verdes. O estacionamento na via pública ocupa espaço valioso que poderia ser usado para áreas verdes, parques infantis e percursos seguros para peões e ciclistas. Trata-se não apenas de uma questão técnica, mas também social. Na sua procura por reduzir barreiras à renaturalização da cidade, o REWILD explora como diminuir a dependência do estacionamento em rua, evitando frustrações, estacionamento irregular e polarização entre vizinhos.
As soluções potenciais incluem a promoção da mobilidade partilhada, a utilização de soluções espaciais eficientes como os elevadores de estacionamento e a colaboração com empresas para uma dupla utilização dos parques privados por diferentes utilizadores e funções em dias e horários distintos. Por exemplo, tal pode significar que os parques de escritórios sejam usados por residentes e visitantes à noite e aos fins de semana.
TALEA — Cidade de Bolonha
A Cidade de Bolonha introduziu as ‘Células Verdes TALEA (TGC)’. Várias áreas interligadas, cada uma com 100 por 100 metros, serão transformadas através da substituição de materiais que retêm calor por soluções baseadas na natureza, criando abrigos climáticos em toda a cidade. A mobilidade suave é também parte da transformação, com percursos pedonais e cicláveis a ligar estas áreas. Por exemplo, um dos espaços centrais da cidade, a Piazza dei Martiri, será equipada com dois destes abrigos climáticos, que ligarão a estação ferroviária a parques e áreas culturais através de um corredor verde, facilitando a intermodalidade rápida, ao mesmo tempo que oferecem pontos de descanso e hidratação para grupos vulneráveis.
Estas abordagens demonstram como a adaptação climática e a mobilidade podem ser tratadas em conjunto, refrescando a cidade e promovendo a mobilidade ativa em áreas anteriormente dominadas pelos automóveis.
Mobilidade acessível para todos em Hamburgo
CUSTOM — Cidade de Hamburgo
A mobilidade é um fator fundamental para a autonomia pessoal e a inclusão social; contudo, para muitas pessoas com deficiências, o transporte público continua fragmentado e inacessível. O projeto CUSTOM, que terá início em breve em Hamburgo, visa responder a este desafio através da implementação de uma aplicação abrangente de acessibilidade que permitirá a pessoas com deficiências visuais, auditivas, cognitivas e físicas utilizar de forma integrada todos os modos de transporte público da cidade. Isto será alcançado através da aplicação do princípio dos dois sentidos, garantindo que a informação esteja sempre disponível em pelo menos dois formatos, como visual e áudio. O projeto envolve co-criação com grupos de utilizadores com deficiências para assegurar que a aplicação seja centrada no utilizador. Ao contrário de outras soluções, é construída sobre sistemas já existentes, tornando-se compatível e de fácil integração com outras regiões e modos de transporte, assegurando a sua escalabilidade e transferibilidade. Ao colmatar esta lacuna no sistema de transportes públicos, a qualidade de vida do grupo-alvo será significativamente melhorada. Quando todos os residentes e visitantes podem deslocar-se de forma autónoma, independentemente das suas capacidades, a coesão social é reforçada, a exclusão é reduzida e a utilização do transporte público aumenta. Ao seguir os princípios do Plano de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS) de Hamburgo, esta abordagem promove também o transporte sustentável, com baixas emissões de carbono, contribuindo para a sustentabilidade ambiental.
Mobilidade suave para um turismo sustentável em Coimbra e Ravena
Coimbra-LLM — Cidade de Coimbra
O turismo representa simultaneamente uma oportunidade e um desafio para as cidades. Se, por um lado, traz intercâmbio cultural e vitalidade económica, por outro pode conduzir ao excesso de visitantes. Tal como muitos sítios classificados pela UNESCO, a cidade de Coimbra enfrenta a pressão de uma atividade turística sobretudo concentrada no centro histórico. O projeto Coimbra LLM foca-se, entre outros aspetos, em redistribuir o turismo ao ligar o centro histórico a novos percursos pedonais e cicláveis, que conduzem ao centro urbano, a atrações naturais e culturais. Desta forma, a cidade estimula a mobilidade ativa não apenas para turistas, mas também para residentes, utilizando-a como forma de reduzir congestionamentos, poluição e preservar o seu património histórico.
FOOTPRINTS — Ravena, Itália
O município de Ravena apresenta uma abordagem diferente com o projeto FOOTPRINTS, que introduz uma experiência integrada de ‘cidadão temporário’, incentivando os visitantes a deslocarem-se como os residentes: a pé, de bicicleta ou em transportes públicos. Tal é conseguido através do redesenho de percursos pedonais e cicláveis, da expansão da rede de autocarros elétricos e da integração de ‘hubs de acolhimento’ nos pontos de entrada. Os visitantes são orientados para estas opções através de táticas comportamentais e de gamificação, oferecendo-lhes desafios divertidos recompensados com produtos e experiências locais. A plataforma online desenvolvida integra jogos, descontos e um planeador de rotas de mobilidade. O resultado é uma cidade onde a mobilidade suave se torna a opção-padrão para os visitantes, aliviando congestionamentos, melhorando a qualidade do ar e criando uma experiência turística mais autêntica e agradável.
Lições das cidades europeias
Os projetos em Gante, Bolonha, Hamburgo, Coimbra e Ravena sublinham os caminhos que ligam mobilidade urbana e qualidade de vida — seja ao refrescar a cidade através de corredores verdes, ao tornar o transporte público inclusivo para todos, ou ao garantir que os turistas exploram a cidade com mobilidade suave e sustentável.
Para os profissionais urbanos, a lição é clara: a mobilidade não pode ser tratada isoladamente e deve ser integrada com outras questões urbanas, como adaptação climática, inclusão social, turismo e património cultural. A EUI (e anteriormente as UIA) proporciona espaços valiosos de experimentação para soluções inovadoras que podem ser replicadas à escala global. O próximo passo para as cidades é acompanhar as tendências emergentes e continuar a experimentar abordagens ousadas e centradas nas pessoas. A mobilidade, quando bem concebida, pode ser um dos motores mais poderosos para construir cidades que não sejam apenas sustentáveis, mas também habitáveis, inclusivas e inspiradoras.